header-logo.png Instituto Kailua
As Raízes Misteriosas de Rollo: Montando o Quebra-Cabeça do Fundador da Normandia, na França

As Raízes Misteriosas de Rollo: Montando o Quebra-Cabeça do Fundador da Normandia, na França

Retraçar as origens de Rollo não é algo fácil. Muito se sabe de sua vida como Rollo da Normandia, mas pouco é o conhecimento que temos no que concerne a sua história antes da chegada às terras que hoje compõem a Normandia, região do norte da França.

A informação mais concreta de que dispomos sobre ele diz respeito a como era chamado. A versão mais conhecida de seu nome é dada pelos francos, Rollo em latim e Rollon em sua forma franca, ainda hoje utilizada na língua francesa. Os escandinavos o chamam de Rolf ou Hròlfr. À parte seu nome, não há qualquer informação clara no tocante a sua descrição física ou características psicológicas. Suas origens, no entanto, são contadas em alguns documentos próximos da época em que viveu, o que nos dá alguma base para conhecermos um pouco sobre quem foi Rolf antes de se tornar Rollo.    

Imagem que direciona para o canal do YouTube do Instituto Kailua

A edição crítica da obra de Dudon de Saint-Quentin, De moribus et actis primorum Normanniae ducum,publicada por Jules Lair em 1865[1], apresenta duas vertentes que tentam explicar as origens de Rollo. A primeira delas, trazida pelo próprio Dudon, insere-se no que, segundo o autor, faz parte de uma “tradição normanda” (DUDON, 1865). Segundo tal tradição, Rollo teria vindo do que Dudon chama em sua obra de Dacie[1], nome utilizado pelo autor para fazer referência ao “Norte”. O que se sabe sobre a ideia de “Norte” tida por Dudon ao escrever seu manuscrito é que, de fato, essa localização seria a Dinamarca, embora as próprias fontes usadas por ele sejam muito genéricas em relação ao que seria tal Norte[2]. No entanto, hoje sabemos que Rollo teria vindo, na verdade, de algum lugar da Noruega.

De acordo com Dudon, Rollo teria sido filho de um dos mais poderosos homens da Dacie que, tendo morrido e deixado dois herdeiros, Rollo e Gurim, teria despertado conflitos na corte de seu reino. O próprio rei, interessado na herança deixada pelo pai dos dois herdeiros, ataca ambos, assassina Gurim e força Rollo a fugir. A partir desta fuga, Rollo teria começado seu percurso até tornar-se jarl da Normandia, considerado por alguns como o primeiro duque da região, embora tal título não seja oficial.

A segunda vertente presente na edição crítica de De moribus et actis primorum Normanniae ducum (Dudon, 1865) é creditada à Snorri Sturluson, historiador e mitólogo[1]. Segundo esse autor, Rognvald, jarl de Møre, havia recebido do rei Harald o governo das Órcades, arquipélago do atual território escocês, e que configurou-se como uma colônia-chave para os vikings a partir do início do século IX. Em seu retorno à Møre, na Noruega, é assassinado por um dos filhos de Harald. Einar, filho de Rognvald, é perseguido nas Órcades por outro filho de Harald, porém, não é assassinado.

Segundo Sturlusson, Rognvald teria enviado seu filho para comandar as Órcades durante sua viagem à Noruega. O motivo dos ataques a ambos, no entanto, não é explicado pelo autor.

Em uma tentativa de reparação, Harald entrega para outro filho de Rognvald o comando de Møre e lhe dá sua filha em casamento, enquanto caça os próprios filhos a fim de puni-los. Entretanto, Einar, insatisfeito com o ato de justiça de Harald, ataca um dos filhos do rei, o mesmo que o havia tentado assassinar e que agora usurpava seu lugar nas Órcades. Einar o mata e oferece as entranhas do usurpador à Odin. Após isso, passa a ser perseguido pela frota real, porém, ao pagar 60 marcos de ouro[1] é perdoado por Harald, que agora volta seus olhos para o irmão de Einar, Rollo.

Segundo Sturlusson, Rollo, filho de Rognvald, praticava a pirataria no Báltico, o que curiosamente parecia ser mais grave aos olhos de Harald que o próprio assassinato de seu filho pelo irmão de Rollo. A gravidade das ações praticadas por Rollo iriam culminar no exílio perpétuo imposto por Harald. Assim, em seu percurso de exilado, teria chegado à Normandia e dado início à história que hoje conhecemos.

De fato, as versões de Dudon e de Sturlusson carecem de elementos completamente fiáveis. Sabe-se que Dudon foi um dos primeiros a escrever sobre a história da Normandia, porém, isso somente viria a ser feito mais de cinquenta anos após a morte de Rollo, o que por si só dificulta a precisão factual dos elementos de sua narrativa histórica, principalmente ao levarmos em consideração o fato de que Dudon de Saint-Quentin foi o primeiro a elaborar um documento do gênero sobre a Normandia. Para isso, o autor não dispôs de uma variedade de fontes primárias escritas, situação ideal para a criação de qualquer documento sobre um fato histórico não experienciado por um historiador.[2]

Por outro lado, o fato de a versão de Sturlusson se encontrar em suas Sagas retira de certa forma a credibilidade necessária para fazer de sua narrativa a mais próxima da realidade em face à narrativa de Dudon de Saint-Quentin.

Da presença de Rollo na Normandia

Desde o reinado de Carlos Magno, rei dos francos a partir do ano 768, a Frância Ocidental foi castigada por ondas de invasões vikings que aconteciam de forma concentrada no Norte do território. Os invasores eram chamados de Normands, termo franco que significa homens do Norte, dada a origem desses povos, e que gerou o nome da região hoje conhecida como Normandie, a Normandia. Rollo era o líder dos invasores, e se estabeleceu em Ruão, importante zona portuária da região.

Com interesse inicial em pilhagens em abadias e cidades, as intenções se modificaram com o tempo,  visto que esta região é geograficamente estratégica no que diz respeito à navegação. Apresentando um contato com o canal da Mancha (e por consequência com o Oceano Atlântico, e a presença do navegável rio Sena, que banha várias cidades, incluindo Paris, essa região se mostrou promissora para a fundação de uma comunidade duradoura nas terras antes dominadas pelos francos.

Estátua de Rollo, presente nos jardins da prefeitura de Ruão, na Normandia.
Ao pé da estátua, lê-se em francês: “Nous en resterons maîtres et seigneurs – 25 juillet 885”, que traduz-se como “Nós permaneceremos mestres e senhores – 25 de julho de 885”.

Anos depois, após tentativas frustradas de expulsar os invasores, o rei Carlos III, conhecido como Carlos, o Simples, decide pôr fim à ameaça que crescia com o avanço dos normandos no Norte do reino. Em 911 é assinado o tratado de Saint-Clair-Sur-Epte, que marcou o nascimento oficial da Normandia. Tal tratado não possui uma versão para análise em todos os detalhes, porém, são conhecidas algumas de suas cláusulas importantes que envolviam a doação das terras que formariam o início do que hoje conhecemos como Normandia (e que na época não possuía o tamanho de hoje) e também a conversão dos normandos ao cristianismo para que houvesse um acordo entre os dois lados. Além disso, ao aceitarem o tratado, Rollo e seus companheiros abdicaram também dos avanços invasivos que adentravam o reino na época, principal razão para a criação deste tratado por Carlos, o Simples.    

Após a assinatura do tratado, Rollo e seus companheiros respeitaram, de fato, suas cláusulas, ao menos as mais práticas como o fim dos ataques e pilhagens fora do território que lhes fora doado. No que diz respeito à religião, Rollo recebeu o nome de Robert após seu batismo, viveu e se casou com esposas francas, dentre elas Popa de Bayeux, dando início a gerações nobres. 


[1] O primeiro manuscrito da obra de Dudon de Saint-Quentin não possui data exata de publicação. Tudo o que se sabe é que em 987 Dudon recebeu do conde Richard 1er, por intermédio do conde de Vermandois, a tarefa de escrever uma obra que relatasse a história das morais e dos atos da Normandia. O título De moribus et actis primorum Normanniae ducum (Morais e atos dos primeiros duques da Normandia) foi atribuído a essa obra pelo seu primeiro editor, André Duchesne, em 1619, com base na referência de Dudon sobre como o próprio Richard 1er chamava sua obra. Em manuscritos mais antigos, é possível vislumbrar outro título usado anteriormente: Historia Normannorum (História dos Normandos). Para fins de referenciação, a data utilizada neste artigo para citar dados do texto de Dudon de Saint-Quentin será a de uma edição crítica relativamente recente, publicada em 1865 por Jules Lair, tendo em vista a facilidade em encontrar seu fac-símile em bancos de dados online, além da característica corretiva que uma edição crítica carrega por si só. 

[2] Termos como Dacie, Suecia e Noricia eram usados por autores da época para fazer referência ao “Norte”. Dudon, por sua vez, adotou o termo Dacie em sua obra.

[3] Devemos ter em mente que na época de Dudon (960-1027) os países escandinavos eram uma incógnita para a Europa. O próprio nome Normandia deriva do termo Normand, que significa literalmente “aquele que veio do Norte”.  No entanto, pouco se sabia até então sobre a localização exata do “Norte” presente na etimologia dessa palavra. De qualquer forma, sabe-se hoje que a informação trazida por Dudon em sua época no que tange à localização das origens de Rollo é geograficamente imprecisa e, portanto, incorreta.

[4] A Sturluson é dada a autoria da Edda em Prosa, obra de poesia escáldica e fonte de informações sobre a mitologia nórdica.

[5] Esse valor não era considerado alto para a situação em que Einar se encontrava, logo, tal punição é vista como leve por Jules Lair.

[6] Jules Lair acredita que Dudon tenha se baseado em outros arquivos da época para escrever sua obra, como registros de mosteiros, por exemplo. No entanto, tal ou tais fontes teriam se perdido com o tempo, e pouco se sabe sobre elas até o momento.

Compartilhe em suas redes sociais:

RSS
E-mail
Twitter
Visit Us
Follow Me
YouTube
YouTube
LinkedIn
Share
Instagram
Tags do artigo: Francês, história, história dos vikings, instituto kailua, origens, ragnar, rollo da normandia, vikings,

Sobre o autor:

Wesley Alves

Wesley Alves

Wesley Alves é professor de francês e português, com graduação em Letras Português-Francês pela UFRJ, e mestrando também pela UFRJ. Atua há 5 anos como professor de francês, lecionando para pessoas de todas as idades.

0 0 votes
Avaliação do artigo
Subscribe
Notify of

0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments